Zona de Tensão

ESPM – Porto Alegre – 2014

ZONA DE TENSÃO

O trabalho de Rogério Severo parece, à primeira vista, ser montado a partir dos materiais de alguma atividade industrial misteriosa, sobras de metalurgia pesada e que aguardam uso em um novo processo de fabricação: bandas de aço, uma lâmina serrilhada, curvando-se e arqueando no espaço apoiada em uma mesa de ferro, pressionada por pesos. Objetos metílicos estranhos estão dispostos no chão, pontuando o espaço do solo e também funcionando como pesos para fixar cabos e fios de diferentes cores.

Com seu kit de bandas de aço, objetos de ferro forjado, pesos, grampos, fios e hastes finas de madeira e varas, Rogério Severo chega a um espaço e responde a ele como um performer. Restos de indústria pesada ou, realmente, ele mesmo fabricou alguns deles? Estão dispostos em um agrupamento linear ao longo do chão para formar a pauta básica ou espinha dorsal de uma dança improvisada, virtuosa, que vai animar todo o espaço.

Um ruído metálico acompanha o desenrolar de uma bobina de chapa de aço no chão. Perfis de vigas de aço ou uma velha prensa de rosca a seguram para baixo. Um cordel colorido é desenrolado e fixo em pequenos grampos G vermelhos estendendo-se o mais alto que puder, para amarrá-lo.

A longa linha de aço ondulada, interrompida por massas intermitentes de ferro fundido, segurando-a no chão, define a direção geral da qual o resto do trabalho se expande para o espaço. Objetos reconhecíveis como formas de ioiôs suspendem discos coloridos, fluorescentes pontos de cores primárias, brilhando no meio de uma rede de linhas retas e curvas.

Puxando, ajustando e pressionando, ele iça partes da escultura para cima, em direção ao espaço como se aparelhasse um veleiro em alta performance. Às vezes, as linhas destes estais e adriças são agrupadas mãos próximas, como um exótico instrumento musical; ele tange as cordas para testar a carga e tensão. As varas e varetas de arco curvam em arabescos à medida que ele executa como um dançarino, improvisando no espaço. Amarrando, enfiando e entalhando, cortando o fio com uma faca afiada, ele usa as ferramentas e a linguagem de um aparelhador ou pescador, um montador de tenda ou um soltador de pipa: ele precisa saber seus nós. Tem-se a impressão de que, se apenas fosse um deslizar ou desamarrar, entraria em colapso, empilhando-se no chão. Ao ar livre, eles balançam ao vento; dentro, eles tremem ao toque de um dedo.

O trabalho muda de posição e forma à medida que se anda ao redor e no seu interior, percebendo pequenos detalhes de cordéis coloridos enrolados em torno de um objeto desconhecido, ainda que, de alguma forma familiar parte estrutura, parte decoração. Admira-se a simplicidade, a brincadeira de erguer construções precárias com ioiôs, cordões, varas e grampos G. É quase como se ele pudesse fazer uma escultura do conteúdo do bolso de um aluno de colégio: algumas cordas, elásticos, clipes de papel, algumas pedrinhas, balas ou chiclete. Mas há também algo muito meticuloso e controlado sobre isso. Esta não é apenas uma estrutura espontânea construída a partis de objetos aleatórios, mas sim uma construção sofisticada, com uma consciência de forma e ritmo, movimento de fixidez, que muda a cada performance. A música, a forma e artesanato do berimbau formam um diálogo com a estrutura do Gabo e a mecânica de Tinguely.

O trabalho é musical e abstrato. Às vezes, parece legível como uma partitura orquestral ou coreografia. Mas, também, é feito em grande parte a partir de objetos reconhecíveis ou particularmente familiares, mantendo as suas raízes de forma e função, e ao contrário da música e da dança ao qual está intimamente relacionado, não tem começo nem fim. O espectador pode começar a lê-lo em qualquer lugar, movendo-se ao redor e através do trabalho, atendo-se a um detalhe minucioso de corda colorida trançada ou recuar para tentar apreender o todo. Não é realmente possível ver isso como escultura fixa e estática. Nenhuma fotografia ou até mesmo sequência de imagens pode realmente capturar este trabalho. É preciso experimentá-lo em carne e osso, torcer o pescoço para cima para ver o fim de uma linha segurando a estrutura no espaço, agachando-se para inspecionar a pátina naqueles objetos de ferro enferrujado, permitindo que o olhar seja desviado pelos pequenos flashes de cor, e sorrindo com admiração para o engenho do todo.

Nick Rands, 2014.

Estudo de montagem

Fotos: Rosana Almendares