Linhas e Lugares à Espera

Marquise da Funarte Brasília – DF – 2012

Linhas e Lugares à Espera

Para o curador da mostra Linhas e Lugares à Espera, Flávio Gonçalves, um desenho é capaz de construir percursos e territórios, nomear geografias e cidades. Ele se constrói através da inscrição gráfica; uma ação que deve ser entendida aqui na sua mais ampla acepção, como escritura no mundo, como fundação. A referência ao desenho reafirma a relação dialética entre linha e plano de fundo. Ao instalar suas linhas, tencionando um conjunto de estruturas, o artista transforma a unidade do espaço, criando interrupções e intervalos.

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UMA LINHA A ESPREITA

Flávio Gonçalves
Setembro-2010

 

Os trabalhos de Rogério Severo são construídos com materiais coletados pelo artista – coisas que cruzam seu caminho, seja pelo acaso do percurso ou pela sorte da procura. Suas instalações reorganizam esses materiais relacionando-os entre si e ao espaço que ocupam, formando assim o cenário de um ritual: conjugação, deslocamento, tensão, equilíbrios. Linha de Espera é como Rogério nomeia sua estratégia, uma vez que é o desenho a linguagem imediata para a associação desses elementos. Um desenho no espaço com linhas que amarram e ligam, que direcionam o nosso olhar, que unem as coisas à força de sua significação. O desenho em muito está associado a ideia de projeção. O modo como as ideias se distendem e são lançadas se referem tanto ao passado como ação quanto ao futuro como possibilidade. Ele é a linguagem permeável do através, trazendo para junto de sua sintaxe uma infinidade de meios e materiais. É essa abertura que Rogério utiliza para fazer convergir os elementos de seus trabalhos. Se a linguagem do artista tem no desenho seu fundamento, a bricolagem parece ser o procedimento utilizado em seus trabalhos, através da construção de estruturas a partir de elementos heteróclitos. Em sua concepção mágica a bricolagem serve a construir estruturas para significar eventos; na arte ela procura significados através da construção de estruturas – meio caminho entre magia e ciência. O resto e o achado já possuem uma história de si. O desafio é reelaborar esse conteúdo. Rogério coloca os elementos de sua instalação em projeção; testa a resistência das associações entre os diferentes materiais e seus desdobramentos. Assim caminhamos em meio a fitas de serra tencionadas na inflexão de seus percursos; pesos que esculturam a imobilidade e concentram assim a tensão do sistema como se assistíssemos um desenho no dinamismo de sua fatura. A espera é que o tempo se desprenda e avance, libertando o devir do projeto.

 

LINHAS, LUGARES E ESPERA 

Rogério Severo

As estruturas que monto são compostas, basicamente, por dois tipos de linhas, sendo uma de açoem forma de fita (lâmina de aço), que funciona como uma espinha dorsal dando sustentação a toda a composição. Esta lâmina produz uma força de tração sobre outra linha, sintética, flexível. Os fios flexíveis tencionados aparecem de diferentes formas, tanto em composições desordenadas como se fossem rabiscos,como em um único tirante, que une as pontas de um arco. A partir daí, surgem estruturas muito delgadas que se expendem ocupando o espaço da Galeria. Reconheço que é o espaço que me orienta na distribuição das peças e, assim, é um somatório de condicionantes que determinam a composição. Portanto, é indispensável a presença do artista na hora da montagem. Aqui me refiro ao lugar, de forma geral, como uma porção de espaço qualquer ou um ponto imaginário numa coordenada espacial, percebida e definida pelo homem através de seus sentidos. Estes lugares são encontrados no meio do emaranhado de fios ou apenas induzidos pela presença de frágeis canudinhos de refrigerantes.

Os fios tencionados produzem pontos neutros ou nulos, pontos que se encontram à espera do momento de corte, de ruptura. É nesta condição de equilíbrio passageiro, que reconheço os lugares de espera. Montar estas estruturas diretamente no espaço me proporciona a sensação de estar, ao mesmo tempo, manipulando o projeto e a obra. É como construir desenhando sem interferência do papel ou planos pré-concebidos deslocados do canteiro de obra Valho-me do improviso, das tentativas e das adaptações sugeridas pelo próprio espaço, se a necessidade da interferência de um projeto anterior. Utilizo os mais diferentes materiais, todos de alguma forma pré-selecionados ou construídos com a intenção de valorizar o potencial de conjugação entre eles, e, por sua vez, com um suposto espaço expositivo. Tudo para mim transita entre o micro e o macro, o todo e o específico. É unindo as partes que construo grandes estruturas e, separando ou fragmentando, que procuro o detalhe ou o “imperceptível”.

O desenho que busco não é estanque, é flexível podendo ser apagado e refeito a qualquer momento, basta reorganizar as peças, recolher e estender as linhas. Ao manipular esses pequenos objetos e linhas, ao invés de papel e lápis, encontro a liberdade de prescindir de um suporte definitivo e do comprometimento com uma afirmação final de trabalho. Intencionalmente, deixo à mostra as possibilidades de reconstrução, a percepção do frágil e do efêmero, é como desnudar o processo e os diversos caminhos percorridos. O que está à mostra não é um projeto acabado, e, sim, possibilidades, fragmentos, “intenções”. Todos os objetos podem ser retirados e transportados, mudam de lugar, e isto nos remete à ideia de passagem. Em outras palavras, o que quero enfatizar é a liberdade que esta maneira de desenhar me proporciona, pois é possível habitar sobre uma infinita gama de espaços e superfícies sem que estes percam as suas características originais. Após a retirada do trabalho a superfície permanecerá intacta.